Escrito por: Renan Matos Brito

Entenda como o rol taxativo da ANS pode impactar os usuários de planos de saúde

Embora haja retrocesso social e jurídico na decisão do STJ, ainda existem exceções que possibilitam aos pacientes recorrerem aos meios judiciais para a obtenção de coberturas não inclusas

Foto: Freepik
Atualmente, a lista da Agência Nacional de Saúde (ANS) inclui mais de 3.300 procedimentos

Por seis votos a três, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no início de junho, que o caráter do rol de procedimentos listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para a cobertura dos planos de saúde, é taxativo. Na prática, tratamentos e procedimentos que não estejam descritos no rol não devem ser cobertos pelos planos de saúde. Mas se tiverem necessidade e eficácia comprovadas pelo médico, ainda podem ser reivindicados na justiça.

O rol de procedimentos e eventos em saúde, estabelecido pela Lei 9.656/98, é a lista de consultas, exames, terapias e cirurgias que constitui a cobertura obrigatória para os planos de saúde regulamentados que atendem a todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2019, 28,5% da população brasileira tinha acesso a algum plano de saúde, médico ou odontológico, ou seja, menos de um terço da população brasileira. Já entre a população com rendimento mensal de até 1/4 do salário mínimo, somente 2,2% tinham plano de saúde médico, indicando que essa população depende mais da saúde pública.

A pesquisa também detalhou que ao precisarem de atendimento de saúde, 76,5% das pessoas costumavam procurar o mesmo lugar, médico ou serviço de saúde, sendo que 69,8% delas procuram estabelecimentos públicos de saúde. Por outro lado, 86,8% das pessoas que recebiam mais de cinco salários mínimos mensais estavam cobertas por algum serviço de saúde suplementar médico.

Acesso à saúde dificultado

De acordo com a secretária de Saúde do Trabalhador da CUT Ceará, Carmem Silva, “a aprovação da medida pelo STJ prejudica e impacta negativamente na vida e na renda da classe trabalhadora, pois muitos não terão como custear os altos valores demandados pelos procedimentos médicos descobertos pelos planos de saúde”. Ela explica que a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores estarão comprometidos.

Para Carmem Silva, a perda da acessibilidade aos planos de saúde provoca o adoecimento e consequência na vida laboral, sobretudo, aumenta a pressão no Sistema Público de Saúde (SUS), pois o não acesso ao plano de saúde não afeta somente a vida individual, como também a família de cada trabalhador e trabalhadora.

Somente no ano passado, o Ceará contabilizou 51 mortes e 9.881 notificações por acidentes de trabalho, sendo 48% desses casos concentrados no munício de Fortaleza, segundo dados do setor de Segurança e Saúde do Trabalhador, da Superintendência Regional do Trabalho no Ceará (SRTb).

No balanço também consta que, nos últimos 10 anos, o Estado registrou mais de 113 mil acidentes, sendo 550 fatais. Dentre os principais acidentes destacam-se, fraturas, lesões, lacerações e contusões.

Ainda de acordo com, Carmem Silva, “a decisão sobre rol dos planos de saúde traz enormes consequências para os usuários e deve afetar diretamente, principalmente, os portadores de deficiências (PCD), como os que fazem terapias especiais, a exemplo das pessoas autistas”.

Pacientes ainda podem recorrer aos meios judiciais

Atualmente, a lista da Agência Nacional de Saúde (ANS) inclui mais de 3.300 procedimentos. Segundo a supervisora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), Amélia Rocha, “foram definidos parâmetros para a flexibilização do rol, permitindo a cobertura do que nele não está. Ou seja, seria, nos termos do julgamento, um ‘rol taxativo modulado ou mitigado’. Se fosse taxativo não caberiam exceções. Então, na prática, o que foi aprovado foi um rol exemplificativo condicionado (ou mitigado ou modulado), porque, a partir do momento que se admite exceções, não há taxatividade”, reforçou, ao explicar que, embora haja um iminente retrocesso social e jurídico decorrente da decisão do STJ, ainda existem exceções que possibilitam aos pacientes recorrerem aos meios judiciais para a obtenção de coberturas que não estejam inclusas no plano de saúde.

 “Muito importante que o médico defenda o tratamento, demonstre que o tratamento é seguro, efetivo, e necessário”, finalizou Amélia Rocha, ao destacar o papel fundamental exercido pelos profissionais de saúde na defesa do acesso aos tratamentos que são imprescindíveis tanto para o restabelecimento da saúde e da integridade física de pacientes, quanto para a manutenção da vida.

Texto escrito sob supervisão da jornalista Samira de Castro